Há um lugar de tertúlia, inusitado, numa artéria da cidade. O dinamizador
é o Sr. Luís, afamado sapateiro conversador que entretém os exasperados
clientes enquanto lhes remenda os sapatos, as botas, as malas, lhes
melhora os cintos. Este homem é uma enciclopédia e apanhando alguém que
lhe dê troco dispara à queima-roupa perguntas tão difíceis como "como
nasceu a pedra lascada, ou sabe você como apareceu o vidro?" e depois por
falta de resposta imediata ele explica tudo com requintes de fino trato ao
mesmo tempo que passa a cola de contacto ou liga a lixa para acertar o
tacão. Com ele pode-se falar de tudo. Ele tem sempre uma opinião com um
toque de proletariado informado e ávido de uma boa querela situacionista e
politica. Há senhoras que se impacientam e claro não vale a pena, aquilo
vai sempre levar o seu tempo e por isso para despachar serviço lá fica ele
às vezes até às tantas da matina a resolver os múltiplos casos de
sapataria popular. Uma cadeira e um banco tipo de jardim vão sendo
revezados ao mesmo tempo que novos vizinhos vão passando por esta
capelinha das meias-solas. Cliente tem sempre razão e o serviço é bem feito e a bom preço.
Não se pense que há balda. Ao falar-se de petiscos logo surgem entre o
digníssimo sapateiro e algum cliente receitas ancestrais e muito próprias
de uma riqueza humana extraordinária. Ele há sítios por aí mas destes
especiais não são fáceis de encontrar.