sexta-feira, 29 de julho de 2011

Bomba de implosão








por Jorge Beinstein [*]
Setembro de 2008 foi um ponto de inflexão no processo recessivo que se iniciara nesse ano nos Estados Unidos: estalou o sistema financeiro e a recessão começou a estender-se rapidamente a nível planetário. Ao mesmo tempo, evidenciavam-se sintomas muito claros de transição global para a depressão e a sua chegada começou a ser admitida em princípios de 2009.

Agora assistimos a um encadeamento internacional de quedas produtivas e financeiras. Ele é acompanhado por uma mistura de pessimismo e impotência diante da provável transformação da onda depressiva em colapso geral, ao mais alto nível das elites dirigentes.
As declarações de George Soros e Paul Volkcker na Universidade de Columbia a 21 de Fevereiro de 2009 assinalaram uma ruptura radical [1] , muito mais séria do que a de Alan Greenspan dois anos atrás quando anunciou a possibilidade de os Estados Unidos entrarem em recessão. Volcker admitiu que esta crise é muito mais grave que a de 1929. Isso significa que a mesma carece de referências na história do capitalismo. O desaparecimento de paralelismos em relação a crises anteriores refere-se também (e principalmente) aos remédios conhecidos. Porque 1929 e a depressão que se seguiu estão associados à utilização com êxito dos instrumentos keynesianos, à intervenção maciça do Estado como salvador supremo do capitalismo. E o que estamos a presenciar agora é a mais completa ineficácia dos Estados dos países centrais para superar a crise. Na realidade, a avalanche de dinheiro que eles lançam sobre os mercados para auxiliar bancos e algumas empresas transnacionais não só não trava o desastre em curso como também está a criar as condições para futuras catástrofes inflacionárias, as próximas bolhas especulativas.
IMPLOSÃO CAPITALISTA?
Soros, por sua vez, confirmou aquilo que já era evidente: o sistema financeiro mundial desintegrou-se, ao que acrescentou a descoberta de semelhanças entre a situação actual e aquela vivida durante o derrube da União Soviética. Quais são esses paralelismos? Como sabemos, o sistema soviético começou a desmoronar-se em fins dos anos 1980 para finalmente implodir em 1991. O fenómeno foi geralmente atribuído à degradação da sua estrutura burocrática o que o tornava em princípio intransferível para o capitalismo que também alberga uma vasta burocracia (ainda que não hegemónica como no caso soviético). Mas existe um processo, uma doença que não é património exclusivo dos regimes burocráticos, que se desenvolveu no capitalismo tal como nas civilizações anteriores à modernidade: trata-se da hipertrofia parasitária, do domínio esmagador de formas sociais parasitárias que depredam as forças produtivas até um ponto tal em que o conjunto do sistema fica paralisado, não pode reproduzir-se mais e finalmente morre afogado no seu próprio apodrecimento.
Ao longo do século XX o capitalismo impulsionou estruturas parasitárias como o militarismo e sobretudo as deformações financeiras que marcaram a sua cultura, seu desenvolvimento tecnológico, seus sistemas de poder. As últimas três décadas assistiram à aceleração do processo — adornado com o discurso da reconversão neoliberal, do reinado absoluto do mercado. Talvez o seu ponto mais alto tenha sido alcançado durante o último lustro do século XX, em plena expansão das bolhas bursáteis e quando o poder militar dos Estados Unidos parecia ser imbatível.
Mas na primeira década do século XXI começou o desmoronamento do sistema. O Império afundou no pântano de duas guerras coloniais, sua economia degradou-se velozmente e bolhas financeiras de todo tipo (imobiliárias, comerciais, de endividamento, etc) povoaram o planeta. O capitalismo financiarizado havia entrado numa fase de expansão vertiginosa esmagando com o seu peso todas as formas económicas e políticas. Em 2008 os Estados centrais (o G7) dispunham de recursos fiscais num montante da ordem de 10 milhões de milhões de dólares contra 600 milhões de milhões em produtos financeiros derivados registados pelo Banco da Basiléia (BIS), ao que é necessário acrescentar outros negócios financeiros. Segundo alguns peritos, actualmente a massa especulativa global supera os 1000 milhões de milhões (cerca de 20 vezes o Produto Bruto Mundial).
Essa montanha financeira não é uma realidade separada, independente da chamada economia real ou produtiva. Foi engendrada pela dinâmica do conjunto do sistema capitalista: pelas necessidades de rentabilidade das empresas transnacionais, pelas necessidades de financiamento dos Estados. Não é uma rede de especuladores autistas lançados numa espécie de auto-desenvolvimento suicida e sim a expressão radicalmente irracional de uma civilização em decadência (tanto a nível produtivo como político, cultural, ambiental, energético, etc). Há mais de quatro década o capitalismo global com eixo nos países centrais suporta uma crise crónica de superprodução, acumulando sobrecapacidade produtiva perante uma procura global que crescia mas cada vez menos. A droga financeira foi a sua tábua de salvação, melhorando lucros e impulsionando o consumo nos países ricos, ainda que a longo prazo tenha envenenado totalmente o sistema.
Foi posto em moda lançar a culpa da crise nos chamados especuladores financeiros. Segundo nos explicam altos dirigentes políticos e peritos mediáticos, as turbulências chegarão ao seu fim quando a "economia real" impuser a sua cultura produtiva submetendo às regras do bom capitalismo as redes financeiras hoje fora de controle. Contudo, em meados da década actual, nos Estados Unidos mais de 40% dos lucros das grandes corporações provinha dos negócios financeiro [2] . Na Europa a situação era semelhante. Na China, no momento do maior auge especulativo (fins de 2007), só a bolha bursátil movia fundos quase equivalentes ao PIB desse país [3] , alimentada por empresários privados e públicos, altos burocratas, profissionais, etc. Não se trata por conseguinte de duas actividades, uma real e outra financeira, claramente diferenciadas, e sim de um só conjunto heterogéneo, real, de negócios. É esse conjunto que agora está a desinchar velozmente, a implodir depois de haver chegado ao seu máximo nível de expansão possível nas condições históricas concretas do mundo actual. Sob a aparência imposta pelos meios globais de comunicação de uma implosão financeira que afecta negativamente o conjunto das actividades económica (algo assim como uma chuva tóxica a atacar as pradarias verdes) surge a realidade do sistema económico global como totalidade a contrair-se de maneira caótica.
SINAIS
As declarações de Soros e Volcker foram efectuadas poucos dias antes de o governo norte-americano ter dado a conhecer os números oficiais definitivos da queda do Produto Interno Bruto no último trimestre de 2008 em relação a igual período de 2007: a primeira estimativa oficial que fixara a referida queda em 3,8% verificou-se ser uma mentira grosseira. Agora verifica-se que a contracção chegou aos 6,2% [4] — isso já não é recessão e sim depressão. O Japão por sua vez teve no mesmo período uma descida do PIB da ordem dos 12% e em Janeiro de 2009 as suas exportações caíram 45% em comparação com o mesmo mês do ano anterior [5] . Na Europa a situação é semelhante ou talvez pior. Após o derrube financeiro da Islândia, a ameaça da bancarrota económica em vários países da Europa do Leste como a Polónia, Hungria, Ucrânia, Letónia, Lituânia, etc, ameaça de maneira directa os sistemas bancários credores da Suíça e da Áustria, que poderiam fundir-se como o da Islândia. Enquanto isso, os grandes países industriais da região, como Alemanha, Inglaterra ou França, vão passando da recessão à depressão. Os prognósticos sobre a China anunciam para 2009 uma redução da sua taxa de crescimento à metade do de 2088. Suas exportações de Janeiro foram 17,5% inferiores às de Janeiro do ano anterior [6] . Esta brusca deterioração do centro vital do seu sistema económico não tem perspectivas de recuperação enquanto durar a depressão global, pelo que o seu ritmo de crescimento geral continuará a descer.
Que Soros e Volcker abram a expectativa de um colapso do sistema económico mundial não significa que o mesmo se produza de modo inevitável. Afinal de contas, uma das principais características de uma decadência civilizacional como a que estamos a presenciar é a existência de uma profunda crise de percepção nas elites dominantes. Contudo, a acumulação de dados económicos negativos e a sua projecção realista para os próximos meses estão a indicar que a grande catástrofe anunciada por eles tem probabilidades de realização muito altas. Para esse desenlace contribuem a impotência comprovada dos supostos "factores de controle" do sistema (governos, bancos centrais, FMI, etc) e a rigidez política do Império. Ao ampliar, por exemplo, a guerra no Afeganistão — preservando assim o poder do Complexo Industrial Militar, gigante parasitário cujos gastos reais actuais (aproximadamente pouco mais de um milhão de milhões de dólares por ano) equivale a 80% do défice fiscal dos Estados Unidos.
A estes sintomas económicos e políticos devemos acrescentar a crise energética e alimentar dela derivada, que certamente voltarão a manifestar-se mal se detenha o processo inflacionário (e talvez antes). Tudo isso num contexto de crise ambiental que passou a ser um factor actual de crise (já não é mais uma ameaça quase intangível localizada num futuro longínquo). E por trás dessas crises parciais encontramos a presença da crise do sistema tecnológico moderno, incapaz de superar – como componente motriz da civilização burguesa – os bloqueios energéticos e ambientais criados pelo seu desenvolvimento depredador.
DESINTEGRAÇÃO, IMPLOSÃO E DISJUNÇÃO
A desintegração-implosão do sistema global não significa a sua transformação num conjunto de subsistemas capitalistas ou blocos regionais com relações mais ou menos fortes entre si, alguns prósperos, outros declinantes (a unipolaridade estado-unidense convertendo-se em multipolaridade, "disjunção" ordenada em torno de novos ou velhos pólos capitalistas). A economia mundial está altamente transnacionalizada, forma um denso emaranhado de negócios produtivos, comerciais e financeiros que penetra profundamente as chamadas "estruturas nacionais", investimentos e dependências comerciais atam-nas de maneira directa ou indirecta aos núcleos decisivos do sistema global.
Em termos gerais, para um país ou uma região, a ruptura dos seus laços globais ou o seu enfraquecimento significativo implica uma enorme ruptura interna, o desaparecimento de sectores económicos decisivos com as consequências sociais e políticas que daí decorrem.
Além disso, até agora o sistema global estava organizado de maneira hierárquica tanto no seu aspecto económico como político-militar (unipolaridade) devido ao fim da Guerra Fria e da transformação dos Estados Unidos no senhor do planeta. Não só no espaço de concentração das decisões comerciais e financeiras (isso já ocorria há mais de seis décadas) como também das grandes decisões políticas.
O afundamento do centro do mundo [7] em meio à depressão económica internacional significa o desencadear de uma cadeia global de crises (económicas, políticas, sociais, etc) de intensidade crescente.
Recentemente Zbigniew Brzezinski pôs de lado as suas tradicionais reflexões sobre política internacional para alertar acerca da possibilidade de agravamento dos conflitos sociais dentro dos Estados Unidos que, segundo ele, poderia derivar em distúrbios violentos generalizados [8] . Por sua vez, e a partir de uma perspectiva ideológica oposta, Michael Klare descreveu o mapa dos protestos populares que atravessa todos os continentes, países ricos e pobres, do Norte e do Sul, iniciados em 2008 como consequência da crise alimentar num amplo leque de países periféricos mas que começam a desenvolver-se globalmente em resposta ao agravamento da depressão económica [9] : a multiplicação de crises de governabilidade aguarda-nos a curto prazo.
A hipótese da implosão capitalista abre o espaço para a reflexão e a acção quanto ao horizonte pós capitalista, onde se misturam velhas e novas ideias, ilusões fracassadas e densas aprendizagens democráticas do século XX, travões conservadores legitimando ensaios neocapitalistas e visões renovadas do mundo a pressionar grandes inovações sociais.
A agonia da modernidade burguesa com os seus perigos de barbárie senil — mas ruptura de bloqueios ideológicos, de estruturas opressivas e de esperança na regeneração humanista das relações sociais.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A estrada para Kabul

http://littlekabul.blogspot.com/

A estrada-rua é uma coisa mal amada pela mesma razão de muitas outras coisas cuja identidade é flutuante, não encontrando estabilidade por aquilo que é mas sim pelo que deixou de ser ou ainda não é. É como um híbrido. De uma mula é fácil dizer-se que tem o pior do cavalo e do burro e que é estéril. Outros dirão que terá o melhor de uma burra e de uma égua. Coitada da mula e da sua indefinição identitária.
A estrada rua é o elemento mais banal das formas e processos de urbanização em Portugal, nos antípodas de qualquer ideal-tipo do que seja a boa e verdadeira genuína cidade. Não vale a pena apostar tudo na idolatria da cidade histórica, no trauma de se ter perdido isto e aquilo e, desse trauma que ficou do rol das perdas, já não se ter discernimento sequer para avaliar se aquilo ainda é uma cidade ou se é um simulacro cénico limpinho e abrilhantado para mais um parque temático com programação contínua para o negócio turístico. Assim está a ficar Óbidos. Não há problema. As cidades também se prestam para isso mas não devem ser só isso.
A passagem da cidade para o urbano arrastou uma metamorfose profunda da cidade: de centrípeta passou a centrífuga; de limitada e contida, passou a uma coisa desconfinada; de coesa e contínua, passou a difusa e fragmentada; de espaço legível e estruturado, passou a ser um campo de forças organizado por novas mobilidades e espacialidades; de contrária ou híbrida do ?rural?, passou a ser um transgénico que assimila e reprocessa elementos que antes pertenciam a um e outro; de organização estruturada pela relação a um centro, passou a sistema de vários centros; de ponto num mapa, passou a mancha, etc., etc. A densidade de aglomeração e de inter-relação já não significa necessariamente aglomeração física de edificado, emprego, população, ou infra-estrutura. A acessibilidade, a velocidade, a conectividade e a mobilidade, podem realizar-se em superfícies extensas percorridas pelo zapping mais ou menos intenso entre pessoas, bens e informação. Insustentável, dirão muitos.
A estrada-rua é um dos elementos mais legíveis da estruturação da urbanização extensiva. Num país histórica e profundamente deficitário em infra-estruturação e que só teve auto-estradas e vias rápidas na década de 90, era de esperar que a dinâmica de crescimento do pós-guerra tivesse que produzir edificação algures. As estradas e o que nelas havia (electricidade e telefone, quando calhava) eram o suporte mínimo dessa edificação com acesso garantido. É isso que explica e não os bodes expiatórios do costume: especulação, défice de planeamento (no antigo regime, havia só uns planos para uns bocados de cidades e pouco mais), ilegalidade (ou a-legalidade?). Compactar tudo isto na conversa do ?feísmo? torna a realidade ainda mais opaca e indiscernível.
Com a banalização e a democratização do automóvel, ficou garantida a fluidez desta urbanização linear onde tudo se mistura: casas, cafés, restaurantes, lojas, serviços, fábricas, (...). O edifício-montra (onde se expõem automóveis, móveis, plantas, etc.) ou a casa unifamiliar com uma actividade comercial no rés-do-chão, são exemplos comuns da diversidade tipológica e funcional de tudo quanto aparece pela estrada fora. A sinalética que tudo indica, desde os sinais de trânsito, aos endereços electrónicos do que está na terceira rotunda à esquerda, foi a última a chegar, sem a espectacularidade dos néons de Las Vegas mas com recursos de criatividade inusitados.
A estrada-rua é como um centro em linha, uma corda onde tudo se pendura; uma estrada-mercado. O problema da estrada rua é a fímbria de espaço que está entre o asfalto e os edifícios: valeta, passeio, ausência de um e de outro, estacionamento, rampas de acesso a edifícios e lotes, interrupções, problemas. A estrada-rua nem tem aquelas magníficas árvores que dantes havia e depois se fechavam em túneis de floresta-galeria, nem tem os passeios amplos e confortáveis que é suposto as ruas terem. Na estrada-rua não há apenas trânsito de passagem como na estrada, nem movimentos locais de peões e veículos como na rua. A estrada-rua mistura tudo num conflito permanente, camiões e peões, carros e autocarros, motorizadas e patins em linha, cruzamentos com outras estradas. Há quem simplesmente passe e há quem queira sair e entrar, estacionar ou atravessar a estrada. Rápida de mais para quem lá vive, lenta e congestionada para quem lá passa. Um desassossego que não se resolve com passadeiras, semáforos, multas, rotundas e outros truques de acalmia de tráfego. Quando a Rua da Estrada Nacional apanha com uma via de ligação a uma auto-estrada, uma Avenida da Variante (já existe!), tudo se complica. Continua-se a estar perto de quem antes se estava e a minutos de muito mais. É como se um buraco negro, verdadeiro atractor de matéria, viesse perturbar a física quotidiana, e o tempo e o espaço se comprimissem em ânsias de energia e velocidade.







Na história longa das cidades só havia homens, cavalos e carros de cavalos. Agora podem existir mais de duzentos cavalos num motor de um só automóvel e há mais quem hoje tenha automóveis do que antes os que tinham cavalos. São mudanças a mais para que as cidades sejam como eram. Circular é viver com mais ou menos CO2 até que nem isso saia dos escapes dos automóveis e o problema seja só de carros, muitos carros e muitas estradas.

Casa jazente






“Uma gestão tecnicamente melhor formada, mais descentralizada e mais transparente”: é desta forma que Álvaro Domingues, geógrafo, professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, perspectiva o futuro ideal da gestão autárquica no que respeita à paisagem e ao ambiente urbano. Isto sobretudo quando é bem presente a crítica do especialista à ausência do tema “paisagem nos planos de ordenamento” regionais e municipais.

Também a burocracia que envolve toda a política da gestão da paisagem em Portugal é alvo das críticas de Álvaro Domingues, que a considera excessivamente regulada e pouco “transparente”. E é nesse sentido que o especialista a gostaria de ver mais simplificada e “menos enredada em tutelas”.

Já em termos “da gestão dos processos bio-físicos”, o professor aponta como “prioritária a gestão da água e da floresta”, referindo-se igualmente à importância dos “lugares comuns onde passamos todos os dias – ruas, estradas, auto-estradas…”. Aí, afirma, “gostaria que se premiasse o conforto e as galerias de árvores sobre as vias”.

Sobre este último aspecto mais 'decorativo' da paisagem, Álvaro Domingues explica o seu ponto de vista, exemplificando-o com um programa francês denominado “Os Jardineiros da Paisagem”: “[O Estado] pagava a funcionários que mantinham certas fisionomias de paisagens (normalmente rurais e já sem os que as produziram ou mantiveram) para manter a felicidade e o interesse do turista”.


Paisagem é um ‘conceito-esponja’

Contudo, e apesar da objectividade das suas críticas, para Álvaro Domingues, a gestão da paisagem é tudo menos um conceito simples e objectivo. Pelo contrário, o especialista refere-se ao termo como “instável” e “contraditório”, em virtude de resultar do “ registo visual da sociedade que muda”, e dessa forma corresponder a um “objecto de uma pluralidade enorme de discursos e de práticas”.

“Como construção cultural – para quem vê ou para quem dá a ver –, paisagem presta-se a inúmeros relatos e interpretações”, defende. Por outro lado, o geógrafo considera a paisagem um ‘conceito-esponja’: “Quase tudo pode ser figurado em termos de paisagem, e o inverso também é verdade”, diz.

No entanto, Álvaro Domingues, que considera estar “bastante mal a nossa construção identitária”, não deixa as responsabilidades apenas em mãos autárquicas: o resultado final de uma paisagem urbana depende, sim, de todos os cidadãos. “Os fazedores de paisagem somos todos nós, desde quem projecta e faz auto-estradas, a quem pinta a casa de amarelo”, repara.