segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A insustentável estranheza






Eis, pois, Valério, a razão por que te queria menos preso ao século em que vives; desejaria que a tua alma tivesse ressonância para tudo o que foi e sobre o passado baseasse a sua compreensão do presente e os seus sonhos de futuro; preso o homem nas cadeias do tempo e levado a fazer o seu trabalho por um íntimo, total e persistente impulso, a tarefa só poderá ser boa e útil se, resumindo em nós a história inteira, dermos ao presente o lugar limitado que tem de ocupar no desfile dos anos e virarmos ao futuro toda a nossa energia criadora; não te deixes impressionar pelo que surge de novo, não lhes dês um lugar absoluto, mas logo o afere pela escala que o passado te fornece; ser moderno não significa ignorar, como tu julgas, tudo o que forma o antigo; significa não deixar que perca a alma tudo o que de eterno lhe oferece o presente; e esse elemento permanente só o descobre quem não vive, exclusivamente, uma hora actual, quem não limitou a cultura ao derradeiro meio século e tem a sensibilidade desperta para todos os momentos da grande marcha humana.

Agostinho da Silva, in 'Considerações'

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